Nessas histórias, onde começa a
literatura e termina a realidade é apenas uma questão de sensibilidade. Quem
nasceu no nordeste, sertão do Ceará, na década de 70 e viveu a década de 80
sabe bem como é viver em um lugar onde falta tudo: água, alimentação, educação,
saúde e vida.
Talvez quem leia as obras Fome e
Violação, de Rodolfo Teófilo, ache que a imaginação do escritor seja forte,
mas, não, a realidade é que é mais cruel que qualquer ser possa imaginar. Em A
Fome, uma das cenas mais ferozes é a de uma criança que arqueja e os cachorros
tentam rasgá-la para comê-la. Trava-se então uma luta entre os cães e um retirante faminto e sedento tentando "salvar" aquele ente... é
a fome gerando a morte e a vida...Outros chegam a Capital em busca de socorro, mas convivem com a violação da vida.
O governo distribui ração, nessa ração a humilhação e o servilismo convivem de mãos dadas. Além disso, alguns pais veem suas filhas serem defloradas por pessoas que distribuem a ração...As doenças também devastam a já dizimada população, valas comuns abrigam mortos que em comum tem a doença, a miséria e a morte.
O governo distribui ração, nessa ração a humilhação e o servilismo convivem de mãos dadas. Além disso, alguns pais veem suas filhas serem defloradas por pessoas que distribuem a ração...As doenças também devastam a já dizimada população, valas comuns abrigam mortos que em comum tem a doença, a miséria e a morte.
Enveredando um pouco mais pelo universo literário da fome a seca, encontramos Em Quinze, de Raquel de Queiroz, os retirantes sofrendo as auguras da seca e partindo rumo a capital. No caminho, vão encontrando morte e vida... Animais que
tombam no sol inclemente, apenas pele e osso, pessoas que não resistem a
caminhada e morrem no caminho... Apenas os urubus fazem festa ante a imagem
medonha que vai se desenhando com um gosto macabro... Um bando de pessoas,
embaixo de um juazeiro, esfola uma vaca morta cuja podridão se faz sentir até
pelos urubus para matar a fome...
Outros livros vão sendo contados pelos
idosos aos mais novos: uma família de 26 filhos come um pirão feito com os ovos
de uma rolinha. Um pouco de farinha e água serve de esperança aos desgraçados.
Folha de juazeiro também mata a fome de muitos desses deles... É tanta miséria
que...
Secas e mais secas se sucedem e esse povo
que vive da fé e da esperança senta o joelho ossudo no chão e clama pela
providência...
Desde
a década de 70, de acordo com o livro dos mais velhos, surgiu um sistema
emergencial,promovido pelo governo. Nele, os homens faziam cerca e açudes nas grandes propriedades rurais em
troca de um fornecimento/ração para a família. Com isso ,ampliavam o poder dos
latifundiários/coronéis. A água brotava do de cacimbas feitas à mão por homens
e mulheres feitas de pele e osso.
Na década de 80, novamente a seca assola
esse povo e uma criança de apenas 10 anos passa a registrar suas impressões
desse martírio:
as pessoas não riam, eram caveiras que
andavam de um lado para o outro;
as crianças brincavam com ossos de animais mortos;
no sistema de emergência, homens sem força empurravam carrinhos de barro;
outros cavavam aquele barro duro e quente dias a fio para ganhar uma diária;
não havia voz humana, só o tinir dos ferros e o ranger daquele carro carregado de barro.
em barracas, mulheres cozinhavam feijão e na hora do almoço repartiam um pirão, cabisbaixas, não comiam ou quando faziam, era apenas lamber a concha e os restos do fundo da panela de barro- barro, um pouco de farinha e um caldinho fino eram o alimento delas;
havia saque nos comércios;
a fome obrigava a tudo...
Os Urubus rondavam, as pessoas não podiam parar, pois a qualquer minuto algum abutre poderia arrancar-lhes os olhos...
as crianças brincavam com ossos de animais mortos;
no sistema de emergência, homens sem força empurravam carrinhos de barro;
outros cavavam aquele barro duro e quente dias a fio para ganhar uma diária;
não havia voz humana, só o tinir dos ferros e o ranger daquele carro carregado de barro.
em barracas, mulheres cozinhavam feijão e na hora do almoço repartiam um pirão, cabisbaixas, não comiam ou quando faziam, era apenas lamber a concha e os restos do fundo da panela de barro- barro, um pouco de farinha e um caldinho fino eram o alimento delas;
havia saque nos comércios;
a fome obrigava a tudo...
Os Urubus rondavam, as pessoas não podiam parar, pois a qualquer minuto algum abutre poderia arrancar-lhes os olhos...
Alguma coisa começou a mudar... não foi só
a chuva que caiu, mas na década de 90 começou a chegar a esses lugares ermos
escola, com ela merenda escolar, com merenda alguma esperança...
Hoje esse sertão não saiu do lugar, a seca
continuou aperiando... Há animais mortos, mas não há retirantes; não há saques
nos comércios... Não há sistema de trabalho emergencial, há a perda safra, há a
bolsa-família, há cisternas, há carros pipas, há médicos e remédios para coisas
simples como febre, diarreia; mulheres não morrem mais de parto, há o agente de
saúde; a maioria das crianças está na escola, há merenda escolar...
Talvez as crianças de hoje não convivam
com o mundo ideal, mas certamente, não vão contar nos livros futuros os mortos
que a fome enterrou... Muitas necessidades estão por esse sertão do Ceará, mas
de fome e sede morre-se menos. Há menos urubu espreitando os nossos olhos...
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