quarta-feira, 30 de maio de 2012

Adultério e abuso sexual na literatura: de Flaubert a Caminha.


          A segunda metade do século XIX viu eclodir obras literárias que rompiam com a visão romântica. Na França, Gustave Flaubert lança Madame Bovary na qual aborda o adultério cometido por Ema Bovary, mulher casada, que deveria respeitar os laços “sagrados do matrimônio”; Em Portugal, Eça de Queiroz nos brinda com O Primo Basílio, dentro da mesma temática. Essas obras escandalizam toda a sociedade, a leitura delas era proibida. Uma moça que as lesse ficava “falada”. Muito mais que mostrar o adultério como pecado mortal, os autores tocaram na hipocrisia social, pois o que eles escreviam acontecia aqui, ali, alhures.
          N0 Brasil, Rio de Janeiro, duas obras também abordam o tema: Memórias Póstumas de Brás Cubas – adultério claro, consentido. Dom Casmurro traz em suas páginas insinuações de um menino que não fora homem: Bentinho. Ele viveu “na barra” da saia da mãe, apaixonou-se por Capitu- uma menina linda e confiante, posteriormente, uma mulher decidida e forte. Ele passou a acreditar que ela o traía com Escobar e levou a vida nessa dúvida cruel. Ainda hoje perguntamos: Capitu traiu ou não Bentinho?
            O Ceará, não deixou por menos, escandalizou a quem pode ler os romances: A Normalista e O Bom Crioulo. No primeiro Adolfo Caminha abordou o abuso sexual, no segundo o homossexualismo.
           Caminha tocou no coração do dragão ao apresentar as feridas sangrentas de uma sociedade que calava diante de abuso sexual cometido dentro das “casas de família” cearenses. Era comum, naquele período, virem meninas e moças do sertão para casa de conhecidos e familiares para fugirem da seca, fome ou mesmo buscar trabalho.
           Maria do Carmo é vítima da seca, perde a família e fica na casa do padrinho João da Mata: A sua grande paixão, seu fraco, era Maria do Carmo, a menina dos seus olhos, a afilhadinha; queria um bem extraordinário à rapariga e tratava-a com carinho lânguido de amante apaixonado do supremo grau do amor incondicional. Criara-a desde pequena, era como se fosse pai, tinha direitos sobre ela; podia mesmo beijá-la – sem malícia, já se devia ver – nas faces, na testa, nos braços e até, por que não? Na boca. (CAMINHA, p. 13, 2005).
          
                Às vezes, quando Maria voltava da Escola Normal, ele mandava-a sentar-se na rede, a seu lado. A pequena guardava os livros e lá ia, sem fazer beiço, deitar-se com o padrinho, amarfanhando o rico vestidinho de cretone passado a ferro pela manhã. Obedecia-lhe cegamente, nunca lhe dissera uma palavra áspera; ao contrário – eram carinhos, cafunés no alto da cabeça, cócegas, histórias d’almas d’outro mundo e gracinhas para ele rir... tinha sempre um sorriso fresco e luminoso para “o seu padrinho”. E João da Mata sentia um bem-estar incomparável, uma delícia, um gozo inefável ante aquele esplêndido tipo de cearense morena, olhos de azeitona onde boiava uma névoa de ingenuidade, cabelos compridos descendo até a altura dos quadris, desanchando-se em ondas de seda finíssima... quantas vezes, quantas! Punha-se por traz dos grandes óculos escuros, a olhá-la como um pateta, sem que ela sequer percebesse a fixidez de um olhar cheio de desejo!  (CAMINHA, p. 13, 2005).
              “De beijos sem malicias ao ato sexual”, A menina começara a ser violentada desde que chegara a casa do padrinho, chegando a engravidar e perder o filho. Para silenciar os casos de abusos era comum “arranjar” marido para as moças ou mandá-las ter o filho em outro lugar, até o escândalo “esfriar”. Depois de tudo esquecido, pela sociedade, a moça casava-se e tornava-se “uma senhora de respeito”.
              Ninguém se indagava sobre as sequelas desse ato, mas a sociedade seguia “ordeira e respeitadora”. Silenciando os abusos e tentando silenciar quem os expunha. Caminha abriu o vespeiro e pagou caro, mas algumas pessoas puderam ler e questionar os valores que essa sociedade hipócrita impôs/impõe. 

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